Nos Bastidores do Reino
A Vida Secreta na Igreja Universal do Reino de Deus
CAPITULO TRES
SAMPA
I
A primeira coisa que senti quando sonhe que o pastor Carlos
Alberto Rodrigues seria o nosso l~der na Bahia foi uma explicavel
sensacao de pavor. Afinal de contas, todos nos ja tinhamos ouvido
falar da sua fama de clurao no trato com pastores c obreiros.
O pastor Rodrigues era a figura mais popular cla Igreja Universal
depois do Bispo, a quem ele se clirigia tratanclo simplesmente por
"Edir". Ele era o unico que fugia da linha vaquinha de presepio segui-
da por todos os pastores. O unico que ousava Icvantar a voz quando
discordava de algtlma decisao tomarla pelo bispo. A amizade entre
eles era mais velha que a propria Igreja Universal. Ela vinha dos tem-
pos em que os dois faziam parte das Igrejas Casa da Bencao e Nova
Vida. Naquela epoca, Carlos Alberto Rodrigues era um obreiro ado-
lescente e o recem-convertido Edir Macedo de Bezerra apenas um au-
xiliar de escritorio cla Loterj. Sem ter ainda o sonho messianico e na-
pole“nico de que no futuro bibiiotecas inteiras e evangelhos seriam
escritos sobrc a sua pessoa.
Sem o apoio dos lideres de suas igrejas aos seus metodos revolu-
cionarios de atrair fieis, como distribuicao de sal milagroso, o entao
evangelista Macedo se juntou a um grupo de amigos evangelicos e
fundou a sua propria Igreja. Alem de Rodrigues, fazia parte desse
grupo o missionario R. R. Soares (conhado cle Macedo, que mais tarde
rompeu com ele, fundanclo a Igreja da Graca), o reverendo De Paula
(que tambem brigou com Macedo e saiu), o pastor Joacir (tambem
saiu), o pastor Benedito (saiu), e o contador Naylton Nery (esse, quem
diria, acabou '~o Iraja). Hoje em dia esse pastores devem estar tao
arrependidos quanto aquele quinto Beatle.
Com o crescimento imprevisivel do bolo, e com cada um querendo
a melhor fatia, comecou uma luta interna pelo poder que terminou
com a dissolucao do grupo, o que deu a Macedo a lideranca total
daquilo que viria a ser um milionario aglomerado de empresas que,
alem da fe, atuaria em ramos tao diversos entre si quanto redes de
comunicacao e madeireiras, construtora e banco. Alem da Universal
Producoes, uma holding que administra uma grafica, uma editora,
um jornal e uma gravadora.
Rodrigues era o unico remanescente daquele grupo de 1977 que
continuava com o bispo. Se bem que muita gente achava que essa sua
fidelidade ao rei era semelhante aquela de primeiro-ministro de dese-
nho animado. Talvez porque ele nunca se preocupasse em esconder
sua gana pelo trono.
Com um visual que lembrava John Lenuon, um pigarro eterno na
garganta e sempre procurando ajeitar os oculos que teimavam em es-
corregar pelo nariz, era conhecido como o "pastor das multidoes". Seu
programa de radio, de apelo populista, assemelhava-se mais ao Show do
Pa~lo Lopcs do que a uma programacao evangelica com o proposito de
pregar a Biblia. Seu programa era sintonizado principalmente pelo ou-
vinte tipico de AM: "As senhoras donas de casa e as minhas amigas
empregadas domesticas". O seu Bom dia, vida era lider no horario.
Em um espaco de tres horas ele comentava as novelas da Globo,
dava o horoscopo do dia, respondia cartinhas assinadas por pseud“ni-
mos como "coracao abandonado de Vila Valqueire" ou "desesperada
de Guadalupe" e criticava a prefeitura pelo boraco na rua tal. Mas o
ponto alto do programa era o momento da distribuicao de quilos de
carne e feijao. A sua igreja no bairro carioca de Sao Cristovao era um
verdadeiro sucesso.
Diferente de outros estados como Sergipe, Rio Grande do Sul ou
Goias, onde nos tinhamos um numero pequeno de templos e seguido-
res, a Bahia era um porto seguro para a Universal. Houve ali um tem-
po em que toda i~reja que se plantava dava Mas o pastor Goncalves,
como todo vice que se preza, assumiu o poder e fez uma serie de trapa-
lhadas durante a sua gestao, o que veio prejudicar a Igroja em todo o
estado.
Logo que recebeu a lideranca do estado das maos do experiente
pastor Paulo, Goncalves comecou a lidar com problemas graves, como
prisoes de pastores por envolvimento com drogas (foi o caso do pas-
tor Paulo Cesar), aJulterios e rebelioes de pastores que, em massa,
abandonavam a Universal para abrir seus proprios templos. Afinal de
contas, templo e dinheiro.
Havia tambem aqueles cajo nivel de vida era bem superior ao que
seus salarios poderiam proporcionar. Estava claro como azeite santo
que desviavam dinheiro da Igreja para as suas contas pessoais.
O bispo, entao, decidiu enviar Rodrigues, numa tentativa de res-
gatar a Universal baiana da desmoralizao e evitar a perda dos poncos
fieis que teimavam em continuar na Igreja Goncalves, por sua vez,
foi transferido para a humilhante posicao de pastor auxiliar da matriz,
na Abolicao. Mas, vinganca e um prato que se come frio. Anos mais
tarde, ele deu a volta por cima e se tornou o lider nacional, enquanto
o bispo se transferia com a familia para Nova York, na ilusao de que os
americanos comprariam o seu produto .
II
As primeiras reunioes de pastores que Rodrigues realizou foram
basicamente uma enxurrada de ameacas e baixarias. A mensagem foi
curta e grossa: o pastor que nao atingisse a meta de oferta que ele
havia estipulado levaria um chote no traseiro (prefiro usar esta pala-
vra). Sabendo da nossa origem humilde, ele prometeu fazer cada um
de nos voltar a antiga vida dura de peUreiros, garis e padeiros caso nao
levantassemos o dinheiro que ele queria. Depois que mordia, assopra-
va. Chamava na frente uns matutoes, pastores de cidadexinhas como
Xique-Xique e Alagoinhas, e dava ao sujeito um vale para a extracao
do dente podre ou presenteava o infeliz com um terno de tergal lilas.
Fico imaginando se e isso o que o setor empresarial quer dizer quando
fala de "premio de incentivo".
Rodrigues tinha de positivo o fato de nao ostentar a tradicional mas-
cara franciscana com a qual os lideres freqentemente exercitavam sua
demagogia. Era evidente que a razao maior de sua transferencia para
Salvador fora a necessidade que a Igreja tinha de fazer mais dinheiro
naquele ano de 1985. Alem de ter ainda as ultimas parcelas da radio
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Bahia para quitar, o bispo estava comprando quase todos os imoveis em
que a Igreja operava, incluindo os que ficavam em areas nobres como a
Barra, em Salvador, Copacabana e Ipanoma, no Rio e Vila Mariana e
Santo Amaro, em Sao Paulo. Alem disso, ele ja havia iniciado negocia-
coes para a compra de uma "emissora de ~v paraJesus".
Como a Bahia era o segundo maior estado gerador de ofertas e
Rodrigues um expert em lidar com o povo, o casamento dos dois foi
uma feliz c rentavel ideia. Na sua gestao, o dizimo, secularmente 10%,
passou para 30%. Ele criou tambem o "Pacto da Comunidade", um
carne de dozc prestacoes que as pessoas pagavam mensalmente. Muito
parecido com o Bau da Felicidade, com a desvantagem de que, caso os
milagres nao acontecessem, o fiel nao teria direito a eletrodomesticos
nas lojas 'famakavi.
Sob a nova direcao, a Igreja Universal do Reino de Deus da Bahia
voltou a ser o patio dos milagres da epoca de Paulo RoLerto. Com o
programa de raclio mais ouvido de Salvador entre oito e onze horas da
manha, Rodrigues arreLanhava diariamente centenas de pessoas para
os cultos que realizavamos.
Na tentativa de se fazer passar por um "apresentador polemico",
ele batia boca, ao vivo, com os seguidores de mae Menininha do Gan-
tois e do cardeal dom Avelar Brandao Vilela.
O ano de 1982 marcou tambem o per~odo em que a Igreja come-
cou a se politizar. Alegando querer salvar o Rio de Janeiro do "comu-
nista" Leonel Brizola e das "mazelas do pedetismo", o bispo apoiou
abertamentc a candidatura da professora Sandra Cavalcanti para o
governo do estado. Isso soou como uma especie de, digamos, quebra
de promessa de campanha, pois a pregacao de Macedo ate o imcio
dos anos 80 era a de que a igreja nunca se envolvesse diretamente com
politica, que para ele era "uma coisa do diabo".
Mudou o diabo ou modamos nos?
Foi, porom, em 1986 que vendemos de vez a alma para Sata. Na-
quele ano, comecamos a apoiar candidatos em varios estados do pa~s e,
no Rio, pensava-se abertamente na possibilidade de lancar a propria
mulLer do bispo Macedo, ou um de seus irmaos, Eraldo ou Edna,
como candidatos da Igreja. Ja nao queriam apenas intermediarios
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No final, decidiram que o bispo Roberto Augusto seria candidato a
deputado federal e Eraldo Macedo a deputado estaJual. Poucos anos
depois, ja eleito, o bispo-degutado brigaria com Edir Macedo e aban-
donaria a Igreja Universal.
Rodrigues, vendo a sua intencao de ser deputado federal abortada
pelo bispo, teve de se conformar em ser apenas o coordenador politico
da Igreja. E nesta funcao ele se saiu muito bem. Alem de eleger um
bom numero de vereadores e deputados, elegeu tambem o prefeito
Mario Kertz, que, sendo desafeto de Ant“nio Carlos Magalhaes,
jamais teria chegado a prefeitura de Salvador sem o apoio da Igreja.
O prestigio poli'tico de Rodrigues estava tao alto que 0 maior proble-
ma de Enir, sua mulLer e secretaria particular, era conseguir espaco na
agenda para o grande numero de parlamentares em bosca de andien-
cia. Ele chegou ao requinte de ser convidado para a posse do governa-
dor Waldir Pires, no Palacio de Ondina.
O que o governador eleito nao sabia era que Rodrigues, em troca
de verbas para sua recem-criada "fundacao", jogava nos dois times,
trabalhando tambem, por baixo dos panos, para a eleicao de seu
adversario, Josaphat Marinho, candidato do PFL, partido dos neo-
coronessauros do Nordeste. Politica deve ser coisa do diabo!
Enquanto se tornava uma figura importante na politica baiana e
era endeusado pelo povo, para os seus E>astores Rodrigues era cada
vez mais um constante pcsadelo. Muitos nao concordavam com seus
metodos, mas, por amor a seus empregos, nao tinham coragem de
se manifestar. Para mim, nao existia dia pior do que as segundas-
feiras, dia das reunioes de pastores. Durante esses encontros, nos
eramos psicologicamente estuprados pelo cinismo e pelo sarcasmo do
pastor Rodrigues.
Toda semana ele mandava pastores "imE>rodutivos" embora. Mas,
para nao passar aquela imagem de a-gente-so-pensa-em-dinheiro, ele
lancou mao de um plano maquiavelico: durante as reunioes, lia cartas
anonimas de veracidade duvidosa, em que alguem relatava a ma con-
duta daquele pastor que Rodrigues ja pretendia mandar embora. De-
pois de lidas as cartas, era feita, na base do "levante a mao", uma
eleicao que decidia a sorte do pobre coitado.
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Tinhamos entao nas maos, literalmente, um dilema: se levantasse-
mos a mao pedindo a degola do pastor, estariamos, baseados em de-
nuncias de uma carta sem assinatura, traindo um amigo e irmao de
muitos anos, com uma familia para sustentar e que, como todos nos
ali, um dla teve a boa inreor~r~,l~ r~ : - -
em tempo integral.
~.
__ s~ ~. ..~.~`,l~lar a Luno para servir a Igreja
Por outro lado, se nao o fizessemos estariamos comprando briga
com Rodrigues, que ja havia decidido pela exclusao daquele pastor
mas cruelmente transferia para nossas maos a tareLa de consuma-la
Covardemente, levantamos a mao pela saida. Cada pcssoa tem uma
razao especial para odiar as segundas-feiras. A minha era a agonia da
expectativa de saber quem seria o sacrificado do dia.
Existia entre mim e Rodrigues uma relacao de amor e odio que aos
poncos foi consumindo minha fe e credibilidade na Igreja. Eu era um
dos mals populares entre os pastores da Bahia, e o segredo do meu
sucesso era a formula que havia copiado do proprio Rodrigues, que eu
ia conhecla do Rio de Janeiro. Eu o imitava na maneira de dirigir os
cultos, apresentar os programas de radio e no falar aos fieis. Usando
sempre a linguagem do "ze povinho" (esse e o apelido que o bispo deu
a camada pobre que freqentava a Igreja).
O pastor Rodrigues nunca aceitou competicao e, logo ao chegar a
Bahla, comecou uma doentia perseguicao aos pastores que eram tao
populares quanto ele - ou mais - no estado. Quando nao encontrava
motlvos para manda-los embora, acabava transferindo-os para outros
estados. Ao mesmo tempo, ele se cercou de gente menos capaz, como
o pastor Torres, a missionaria Conceicao e o pastorJoao de Deus. Esse
ultimo morreu num acidente rle rarr~ ,1,.:..~- ~- ' ''
rando sua falta.
.~.... ~ ~arro, aelxando varias mulLeres cho-
Aos poucos comecei a perder o meu espaco. Os programas de radio
que apresentava pela manha e nas tardes de domingos foram dados
para um dos asseclas de Rodrigues. Tambem fui transferido da Liber-
dade para o suburLio de Periperi, onde foi preso e foi espancado, na
delegacia, por perseguicao religiosa da parte da delegada local. So-
mente fui liberado depois que o advogado da Igreja, que era delegado
federal, correu em meu favor.
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Mas o pior veio mesmo quando foi decidido que eu seria transfe-
rido para Jequie, no interior do estado. Nos tinhamos um bebe de
seis meses, e minha mulher nao queria se separar da mae. Minha sogra
me pediu para nao ir e prometeu usar sua influencia para me conse-
guir um emprego caso a Igreja me mandasse embora. Eu nao queria
sair da igreja. E os meus ideais? E os meus propositos de pregar a
palavra de Deus? Aquela altura, as minhas narinas ja haviam perce-
bido algo de podre no Reino - mas acima de Rodrigues, acima do
bispo e da propria Igreja Universal estava o Deus em quem eu ainda
acreditava piamente.
"Aquele que lancar a mao no arado e olhar para tras nao e digno de
Mim." As palavras implacaveis do Evangelho ecoavam em minha men-
te. Eu nao queria olhar para tras como a mulher de Lo. Nao queria
virar uma estatua de sal.
E alem do mais, como seria minha vida la fora sem profissao defi-
nida e com uma familia para sustentar? O meu mundo cabia nos limi-
tes da Igreja e para mim era como se nao existisse vida fora dela.
Como aquele personagem de Peter Sellers, a televisao era meu unico
elo com o mundo exterior. Vivia sem a menor nocao da realidade.
Estive ausente quando as ruas viraram um mar humano clamando por
eleicoes diretas e mesmo fatos como a morte de Tancredo Neves e o
Plano Crazado me passaram despercebidos. Como comecar de novo
num mundo que continuou caminhando quando eu parei?
Fui para Jequie.
Na noite em que estavamos fazendo a mudanca, a minha sogra
morreu de parada cardiaca. Graca era uma pessoa completamente de-
pendente. Primeiro da mae, depois de mim. Sem nunca ter tomado
uma decisao propria na vida, ela saiu das maos de um pai autoritario
para as minhas, um marido que nao sabia cumprir o paE>el de amigo,
companheiro e amante. A mae eta tudo o que tinha, e ela a perdera.
Nao me acusou, mas nos dois sabiamos que sua mae havia morrido
porque eu resolvi acatar a ordem de ir para Jequie.
Era como se aquele fosse 0 nosso annus terri~oilis. As desgracas co-
mecaram a se suceder umas as outras. Tres noites apos chegarmos aquela
cidade, com nossas mudanca ainda na caixa, acordamos durante a
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~ -
:
madrogada com agua invadindo o porao da igreja onde hav~amos sido
temporariamente instalados. Imaginei que fosse uma tempcstade
e que as precarias condicoes cia igreja nao impediam que a agua
entrasse. Mas vendo que o volume da agua crescia assustadoramente
peguei Graca e Gabriela e tentei fugir dali. Ao abrir a porta, a agua
entrou com tanta forca que nos emputrou de volta ao porao. Aper-
tando Gabriela contra meu peito, eu pedia a Deus que nao nos deixas-
se morrer ali.
Finalmente conseguimos alcancar a rua, que estava completamen-
te alagada e cllela de gente correndo em c3esespero. Passaram-se al-
guns minutos ate que percebessemos que nao havia cllovido. Era uma
dessas madrugaclas tediosas em que atc as estrelas bocejam.
A enchente tinha sido provocada pela ruptura em uma clas represas
cla cidacle. Caminhanclo entre pessoas que choravam o desaparecimen-
to de parentes nas aguas, fomos, molhados e tromulos, procurar un
lugar onde pudessemos sentar e nos recuperar do susto.
Com as estrelas clanclo lugar aos primeiros raios de sol, sentamos
numa escadaria bem em frente a igreja e ali no alto ficamos em silen-
cio por algum tempo olhando o porao onde estavamos clorminclo com-
pletamente tomaclo pela agua. Tudo o que tinl1amos estava ali clentro.
D~nhe~ro, roupas e moveis. Mas naquele momento, do topo daquelas
escadas, tudo o que pensavamos era o que teria acontecido se Gabriela
nao tivesse nos acordado para mamar.
III
Aquele ano fechou com a morte de minha mae. Quando eu soube
que ela estava com cancer, procurei nao dar muita importancia ao
fato. Na verdacle eu nao acreditava que minha mae morreria. Eu
achava que Deus tinha uma clivida comigo. Afinal de contas etl tra-
balllava para Elc e o mmimo que Ele podia fazcr era curar minlla
mae daquela doenca. Ela tambem pensava assim, pois de tanto eu
insistir minha mae era agora t~m membro da Igreja Universal. Po-
rem, o fato de tentar ignorar a doenca de minha mae nao impediu
que ela viesse a falecer.
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Quando minha mae morreu, o pastor de sua igreja nao se deu con-
ta disso. Cinco meses depois, minha irma recebeu uma carta endere-
cada a mamae, com a seguinte mensagem:
Prezada Ir~na,
Ultin~amente termos sentido a falta de sZ'a preriosa presen~-a nos cultos de
lo~/vares ao Divino E.`l~i~ito Santo. Leml~re-se: "resisti ao clial~o e ele J'~gira cle
vor". Erpe10 ver-te na proxima Ceia do Senhor.
Paz reja convosco.
Seu escrcivo em Cristo,
Pastor Ricarclo Pellegrini.
PS. () clizimo da i~a e.rta c~tra.rado e,/~ cinco ~neser.
Ha muito tempo eu vinha querendo visitar minha mae, mas Ro-
drigues dizia que minha igreja em Jequie nao estava dando lucro su-
ficiente para me premiar com um "passeio" ao Rio de Janeiro.
Ponco antes de receber a noticia clo falecimento de minha mae, eu
havia sido transferido de volta para Salvador e fui colocado a frente da
igreja na praca da Se, marco historico da Universal, por ter sido a
primeira igreja a ftlncionar naquele estado.
Na egoca de minha volta para a capital eu estava num terrivel
estaclo de depressao. Nao comia, nao dormia e passava as madrogadas
chorando. Cada pessoa que vinha a mim contando problemas e pedin-
do conselhos contribu~a para o aumento daqelela depressao.
Nao existia na Universal um unico grupo de suporte aos pastores.
Os lideres nunca chamavam os pastores para conversar, para saber o
que estava se passando em suas vidas, para conhece-los melllor. Com
excecao daqueles que faziam parte do seu gruginho de fins de semana
na Pousada clo Rio Quente, Roelrigues nunca nos deu atencao e toda
vez que se dirigia a nos era para cobrar crescimento nas ofertas.
Eu nao era o unico pastor com proLlemas cle depressao. Apesar de
nao termos coragem de nos abrirmos uns com os outros, eu sabia que
pastores mais amigos, como Edilson, Edson Menezes e Marcelo
sofriam do mesmo mal. Quanclo 0 meu grande amigo, pastor Joao
Ferreira' morreu (tomot1 um remedio errado, de acordo com 0 lando
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ll
medico), em seguida a morte de minha mae, mergul~hei numa depres-
sao tao grande que pensei que nunca mais conseguiria sair daquele
estado. Tinha medo de conversar sobre isso ate com minha mulher,
apcsar de ela ter percebido que alguma coisa estava errada comigo.
Por meio de um conhecido no Rio, tive acesso ao antidepressivo Le-
xotan, que me deixava estugidamente ativo e alegre. Naquele estado de
falsa serenidade eu procurava continuar a minha vida fazendo as mesmas
coisas que sempre fiz, mas agora nao com tanto amor e dedicacao.
O trabalho na Igreja havia se tornado uma tarefa insuportavel para
mim. Eu vivia como se estivesse num palco o tempo todo, assumindo
uma personalidade que ja nao era mais a minha. Representava na Igreja
e representava mesmo quando estava em casa com minha familia.
O vazio deixado pela morte de minha mae fez com que eu fosse
buscar refugio em uma outra droga, alem do Lexotan. Foi entao que
descobri a maconha, que passei a famar compulsivamente antes e
depois dos cultos. Houve vezes em que dirigi reunioes de oracao com-
pletamente high.
Para conseguir a droga eu passei a fazer a loucura de freqentar as
bocas de fumo da praca da Se. Correndo o risco de ser visto por um dos
membros da minha Igreja, que funcionava naquele local.
Procurando pelos vendedores de drogas fui assaltado duas vezes no
Maciel, a area mais barra-pesada de Salvador. Numa das vezes o assal-
tante, com raiva porque eu nao carregava dinheiro suficiente, mandou
que me ajoelhasse para morrer e chegou a colocar o cano frio da arma
na minha nuca. Acredito que so nao o fez porque viu a minha carteira
de pastor. Mesmo assim foi embora levando minhas roupas e me dei-
xando de cueca e meias em pleno centro da cidade.
Eu nao estava satisfeito com aquela vida. Queria mudar de atitu-
de, mas nao sabia como. Queria ajuda, mas nao sabia a quem pedir
ou onde buscar. Em vez disso, continuava vivendo o meu papel cle
analista de Bage, naquela farsa de ajudar as pessoas a resolver seus
proElemas, numa aEsurda tentativa de dar aquilo que nao tinha nem
para mim mesmo. Estava mais desorientado e vazio do que nunca.
Toda a minha experiencia de vida havia sido alicercada na areia e nuo
estava agentando a primeira tempestade.
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Os meus proLlemas pessoais nao afetaram em nada meu trabalho
como pastor. A igreja que dirigia na rna do Tijolo era uma das mais
prosperas da capital e por isso ela foi escolhida para ser a primeira de
uma serie de igrejas a passar por uma reforma que incluia revestimen-
to de marmore, bancos de madoira de lei, calcada de pedras portugue-
sas e aparelhagem de som de ultima geracao. Tambem foi a primeira a
possuir uma livraria. Fui recompensado recebendo de volta o progra-
ma de radio, que passou a ser apresentado das seis as oito da manha,
de segunda a sexta. Horario nobre em materia de radio.
O sucesso do meu trabalho (repetindo o que ja disse, o sucesso de
um pastor na Igreja Universal depende de quanto ele arrecada) me
levou a ser um dos sete pastores escolhidos para serem consagrados
pelo bispo Macedo durante sua peregrinacao pelo Nordeste. Um fato
interessante e que na Universal existiam pastores e pastores, a di-
ferenca estava na consagracao. Poucos recebiam esta uncao, que era a
mais alta condecoracao que alguem podia receber, abaixo apenas do
bispado, que naquela epoca ainda era monopolio de Macedo e Ro-
berto Augusto.
Durante aqueles seis anos eu havia esperado ansiosamente pelo
momento em que seria escolhido para ser consagrado. Os lideres di-
ziam que Deus era quem escolhia a ocasiao. Por isso, desde meus
primeiros dias na Igreja eu vinha pedindo a Deus que me desse aquela
uncao, que em nosso conceito era o selo definitivo da aprovacao divina
ao nosso trabalho vocacional.
Mas isso tinha sido no passado. No estado de desanimo em que
vivia, ponco me importava ser consagrado ou nao. Na verdade, todos os
meus sentimentos em relacao a Igreja haviam modado. Eu ja nao pre-
gava nem conduzia cultos como costumava fazer em anos anteriores.
Comparecia a igreja, encenava mecanicamente o que eu era pago para
fazer e falar e voltava para casa, me perguntando ate quando viveria
aquela grande farsa.
Tudo o que eu tinha sido; todo aquele fervor; todo aquele amor -
tudo havia passado, dando lugar a uma revoltante sensacao de estar
preso pelos pes e pelas maos. Obrigado a servir a Igreja Universal pelo
resto da minha vida.
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Enquanto vestia meu melhor terno naquela manha, me preparan-
do para a consagracao, eu ia pensando no quanto aquele dia significa-
ria para mim, apenas alguns meses atras. Ajeitei o no da gravata.
Engoli meu indispensavel Lexotan. Fumei o tambem indispensavel
cigarro de maconha e me dirigi para a igreja, na nova sede no largo
dos Dois Leoes, onde, entre o pastor Oliveira, da Liberdade, e o pas-
tor Vicente, de Catu, esperei pela minha vez de ser consagrado pelo
bispo Edir Macedo.
IV
Sexo e dinheiro eram as maiores causas de queda dos pastores. Talvez
pelo fato de esses dois itens serem muito acessiveis dentro da Igreja.
Quasc todos os pastores recebiam bilhetinhos de mulheres se decla-
rando apaixonadas e implorando por uma tarde de amor em um motel
dc beira de estrada. Algumas mulLeres que freqšentavam a igreja
viam os pastores como galas de telenovelas que povoavam as suas fan-
tasias. Sempre vinham a nos confessando os sonhos sexuais que ti-
nham conosco. O mais estranho e que a maioria dessas mulLeres nuo
c ra mais nenhuma garotinha debutante. Foram poucos os que, pelo
menos uma vez, nao sucumbiram a tentacao.
Sexo, porem, nao era motivo para mandar um pastor embora.
A nao ser quando o aJulterio ganhava proporcoes de escandalo
e chegava ao conhecimento dos membros da Igreja. Mas, sempre
que possivel, as puladas de cerca de alguns notaveis eram abafadas
com panos quentes e tudo acabava em pizza. Ou em acaraje, no
caso.
Agora, se a carne, como se sabe, e fraca, e sexo ilicito um deslize da
natureza humana perdoado por Deus e pelo bispo, dinheiro, por ou-
tro lado, era assunto muito serio. Toca-lo sem autorizacao era pecado
capital. Imperdoavel. Quem fosse supreendido com a mao na botija
era posto imediatamente no olho da rna, sem direito a mais nada.
O desemprego, porem, nao intimidava os que se sentiam no direito
de, a exemplo de seus lideres, tambem mamarom nas magras tetas do
povo da Igreja.
6tS
Existiam pastores que mal ganhavam para comer, enquanto outros
jantavam todas as noites em restaurantes de cozinha internacional.
Havia os que viajavam em “nibus lotados, enquanto outros dirigiam
carros clo ano. Os de igrejas pequenas vestiam ternos da Casa Jose
Silva, enquanto a elite desEilava Armani. Muitos nao tinham condi-
cao de colocarem os filhos numa escola particular, enquanto filhos de
outros passavam as ferias na Disney. Muitos desses pastores injustica-
dos ''roubaram''. Eu no lugar deles, teria feito o mesmo.
Finalmente, 0 pastor Rodrigues resolveu atender meu pedido de
transferencia para outro estado, o que me surprcendeu. Em cinco
ocasioes anteriores ele me havia negado isto. Eu achava que era a con-
vivencia com Rodrigues a raiz de todos os meus problemas e, uma vez
longe dele, encontraria forcas para lutar e sair daquela condicao em
que me encontrava. Resolvi tentar mais uma vez o pedido de transfe-
rencia quando veio a ordem para que eu fosse trabalhar na igreja-sede,
ao lado do pastor Teixeira c do pastor Jonas MaJureira.
Jonas MaJureira era a mais nova aquisicao do bispo Macedo, a
quem ele chamava de "santo homem", pois segundo ele o bispo o
salvara das trevas lhe mostrando o caminho da luz. Ele tinha poncos
meses de convertido quando foi promovido ao cargo de pastor e man-
dado a Salvador para ajudar a formar a equipe da radio Babia. Perso-
nalidade conhecida do publico carioca, Jonas tinha sido por varios
anos o reporter de transito do Cidinha livre, programa da radio Tupi
apresentado pela deputada Cidinha Campos.
A aproximidade do pastor Jonas MaJureira com o bispo Macedo
causou atrito entre ele e Rodrigues, fazendo com que os dois por
diversas vezes trocassem farpas durante aquelas sessaes de tortura as
segundas-feiras.
Como sempre acontece com todo pastor cedo ou tarde, Jonas Ma-
dureira rompeu cc~m a Igroja Universal, moveu uma acao contra o
"santo homem", a quem passou a chamar de "canalha", e abriu a sua
propria Igreja em Santo Andre, na regiao do A0C paulista. Nesta ego-
ca, sabendo dos meus proLlemas na Universal, pessoalmente me
convidou para ingressar na sua Igreja, onde assumiria a posicao de
segundo na hierarquia. Agradeci e recusei 0 convite.
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