Qi das Bombas

Ótimo texto publicado no Estado de Minas do dia 12/10/2001, o autor é o Érico Veríssimo.

Na relação da munição com que os americanos contam para seus ataques aéreos constam bombas inteligentes e bombas burras. O nome técnico é este mesmo, “dumb bombs”, bombas que explodem onde caírem e não querem nem saber. A mesma distinção se aplicaria à reação americana ao terror. A acessoria do Bush na crise - é o que se adivinha aqui fora - divide-se entre os específicos e os estrategicos e os abrangentes e seja o que Deus quiser. A bomba mais inteligente do elenco de Bush parece ser o secretário de Estado Collin Powell, que tem conseguido segurar os que pretendem aproveitar a desculpa para bombardear o Iraque, a Líbia, etc.

Não deve estar sendo fácil deter as bombas burras. Os Estados Unidos já avisaram às Nações Unidas que podem atacar outros países além do Afeganistão. O objetivo, emocionadamente anunciado logo depois dos atentados, de pegar Bin Laden, vivo ou morto, evoluiu para uma perspectiva de guerra continuada mesmo que o bandido maior do momento seja preso ou liquidado. O objetivo agora é difuso e algo irreal, acabar com todo o terror no mundo com o uso do terror.

O crescimento de baixas civis nas áreas bombardeadas pode corroer a simpatia mundial conquistada pelos americanos justamente indignados com o 11 de setembro. As bombas inteligentes ainda favorecem ficções do tipo “bombardeio cirúrgico” de alvos exclusivamente militares. As bombas burras só sabotam a causa americana. Os países árabes reunidos no Qatar também expressaram confiança irrealista no QI das bombas.

Reafirmaram seu apoio à nação americana e sua solidariedade contra o terror, mas avisaram que a morte de muçulmanos inocentes é inaceitável. Como as baixas civis serão inevitáveis, a questão é saber até que ponto serão toleráveis do ponto de vista de países muçulmanos que temem o terrorismo mas temem as suas massas fundamentalistas ainda mais.

Quer dizer : é tudo com as bombas. Estamos entregues a sua lógica, à sua sabedoria ou ao seu senso de responsabilidade.

Seria ótimo se as guerras fossem apenas torneios de bombas contra bombas em que se poderia apostar na vitória final dos inteligentes e na desmoralização final das burras. Mas se até entre as pessoas, que também são guiadas por sistemas sofisticados de discernimento de alvo, direção e correção de desvios e que afinal - salvo algumas excessões - não explodem, não é seguro apostar no bom senso contra a estupidez, o que dirá das bombas ?