O Darwinismo como Algoritmo

Ótimo texto para quem se interessa por evolucionismo e informática. A fonte do texto é o site Evoluindo Bio Ciência, que na realidade é mais ligado a Biologia, mas como o autor do texto brincou com isto referente a um algoritmo genético, achei legal colocar na seção de Bio-Informática, um troço meio novo aqui no site, pelo menos por enquanto :-)


Desde de que publicou “A Origem das Espécies”, o cientista inglês Charles Darwin passou a ser o nome que mais criou polêmica na história da ciência. A idéia de que as espécies não foram criadas do jeito que as conhecemos mas sim evoluíram de outras espécies ao longo de um extenso período de tempo e, além disso, por mecanismos autônomos que prescindem de um “projetista”, é o maior motivo da ojeriza que o naturalista exerce entre boa parte dos religiosos. Porém, ao contrário das expectativas criacionistas, o darwinismo tem demonstrado-se muito maior do que as pretensões do próprio Darwin.

No livro “A Perigosa Idéia de Darwin”, o filósofo Daniel Dennet comenta as repercussões do darwinismo além da esfera da biologia. E o principal ponto de seu livro é que o dispositivo darwinista pode ser concebido como um algoritmo: “O poder teórico do esquema abstrato de Darwin era devido a vários aspectos que ele identificou com bastante firmeza, […], mas lhe faltou a terminologia para descreve-lo explicitamente. Hoje é possível captar esses aspectos em um único termo. Darwin havia descoberto o poder de um algoritmo.” Segundo Guimarães (1995): “Um algoritmo é a descrição de um padrão de comportamento, expresso em termos de um repertório bem definido e finito de ações “primitivas”, das quais damos por certo que elas podem ser executadas.” Em outras palavras, um algoritmo é uma seqüência ordenada, finita e objetiva de passos que levam a um determinado resultado. Dennet ressalta uma característica importante do algoritmo: a neutralidade do substrato. “A eficiência do procedimento deve-se à sua estrutura lógica, não às eficiências causais dos materiais usados na comprovação, desde que as eficiências causais permitam seguir exatamente as etapas prescritas.”, salienta o filósofo. Não importa se utilizamos o algoritmo da divisão longa com carros, homens, casas, canetas, etc. o relevante é o arranjo do dispositivo.

Uma das provas que o darwinismo transcende à biologia, revelando sua natureza algorítmica, foi dado por pesquisadores da Universidade Estadual de Michigan e do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), nos EUA. O trabalho publicado na revista “Nature” mostra através do software Avida (dllab.caltech.edu/avida) como estruturas mais complexas podem emergir de estruturas mais simples. O programa funciona com organismos digitais, os avidianos, que se reproduzem por bipartição, estão sujeitos a mutações durante a replicação e competem num ambiente por pequenas quantidades de eletricidade conhecida como SIPs, ou seja, simulando condições necessárias ao emprego do darwinismo.

A partir de uma população primordial de avidianos com um “genoma” de 50 instruções lógicas, de geração em geração, os organismos digitais sofreram um processo acumulativo de pequenas mudanças (mutações). Certas mutações eram neutras outras prejudiciais, mas algumas permitiam ganhar maior quantidade de SIPs, dando vantagem a elas e suas descendentes. Após 350 gerações os avidianos tinham um “genoma” de 83 instruções, em média. Além disso, a maioria era capaz de fazer a mais difícil das nove operações lógicas recompensáveis pelo programa. Outro resultado do experimento foi ver que todos os avidianos passaram pelas operações mais simples antes de chegar às mais complexas, e que eles deixavam de desempenhar as operações mais complexas quando estas não davam recompensa alguma.

Mas os avidianos são só mais um dentre os exemplos de aplicações da idéia de Darwin. O professor John Holland da Universidade de Michigan (U.S.A), em suas explorações dos processos evolutivos dos seres vivos e sua possível aplicabilidade em projetos de softwares de sistemas artificiais conseguiu assimilar características cruciais da evolução natural a um algoritmo. Com a publicação de Adaptation in Natural and Artificial Systems em 1975, os Algoritmos Genéticos ganharam um grande interesse na comunidade científica. Eles têm sido utilizados eficazmente para os mais diversos problemas de otimização de soluções e aprendizagem de máquina.

A Programação Genética é outro fabuloso sucesso inspirado na Teoria da Evolução. Ela tem a finalidade de gerar automaticamente programas de computador para resolver um determinado problema. Fernanda Li Minku, do Dep. De Informática da UFPR esclarece: “A partir de uma população inicial, geralmente criada de maneira aleatória, evolui-se uma população de soluções aplicando-se operadores genéticos tais como cruzamento e mutação. O processo é guiado por uma função de adaptação (ou fitness) que mede o quanto o indivíduo é uma boa solução.” As aplicações da PG são inúmeras.

Com a PG quebramos um dos mais utilizados argumentos criacionistas, popularizado e imortalizado pelo reverendo William Paley, que poderia ser resumido em: “Vamos supor que, ao atravessar um deserto, eu encontrasse um relógio. Seria difícil imaginar que ele sempre esteve ali ou que se formou por acaso. Verificando sua arquitetura e o funcionamento de seus componentes, concluímos que o relógio precisou de um relojoeiro, que o projetou com uma finalidade. O mesmo raciocínio pode ser feito para a vida, ao verificar sua complexidade, muito superior a de um relógio, chegamos à conclusão que ela necessitou de um projetista.” A analogia de Paley é imperfeita porque simplesmente relógios não se auto-replicam, não sofrem seleção natural, não seguem os mecanismos existentes na vida. Agora e se colocássemos a analogia em moldes mais próximos? E se fosse possível que circuitos eletrônicos, programas de computadores, dentre outras coisas, possuíssem as condições necessárias para a aplicação do darwinismo? A pergunta que poderia ser considerada mera especulação, é respondida pela PG.

No artigo “Aperfeçoando Inventos”, na Scientific American Brasil nº 10, John R. Koza, inventor da PG, mostra os resultados surpreendentes que a mesma alcançou. Tendo como alicerces básicos: mutação, recombinação sexual e seleção natural, o programa darwinista criou automaticamente circuitos idênticos aos criados pela mente humana. Ele também obteve a proeza de classificar seqüências e gerar resultados que competem e às vezes superam invenções humanas em diversas áreas, como o projeto de antenas, algoritmos matemáticos e controladores multiuso. O método darwiniano conseguiu reproduzir inventos idênticos a 15 projetos previamente elaborados pelas cabeças mais criativas e inteligentes de alguns institutos de pesquisas, como o Negative Feedback Amplifier (AT&T) e o Circuito Integrado Analógico-Digital Misto para produzir capacitância variável (IBM). Além de recriar invenções humanas, a PG também tem mérito em suas obras originais, como o Programa de Jogo de Futebol que conseguiu uma posição média concorrendo entre 34 invenções humanas na competição RoboCup 1998.

Analisando dois circuitos geradores de sinal cúbico, um inventado por um homem e outro pelo processo darwiniano, o segundo tem uma eficiência maior que o primeiro e é bem mais complicado. Porém tem uma complexidade desnecessária, ou seja, é mais complexo do que deveria ser, contendo partes redundantes como um transistor que nada contribui para seu funcionamento. Seria uma espécie de “órgão vestigial”. Não é sensato para um engenheiro gastar mais que o necessário, como o que rege esse sistema não é uma inteligência, isso faz com que ele seja eficaz sem que necessariamente obedeça a critérios que esperamos de um engenheiro. A PG tem demonstrado que o processo evolutivo, autômato e irracional, pode muitas vezes substituir e até superar um projetista racional, para desespero dos seguidores de Paley.

O Darwinismo há muito tempo ultrapassou as barreiras da biologia e é um processo que prescinde de um designer, exatamente pela sua natureza algorítmica. Como Dennet enfatiza, um algoritmo é dotado de “irracionalidade subjacente”, por mais brilhante que o desenho do procedimento seja ou por mais brilhante que sejam os resultados produzidos, o mecanismo responsável continua sendo irracional. Dadas as condições necessárias, a evolução pode ser aplicada dos avidianos até funções matemáticas e algoritmos, de circuitos eletrônicos até games de futebol. Uma das únicas coisas que parecem não evoluir é a mente de fundamentalistas criacionistas.

Bibliografia:

Minku FL. Chameleon: uma ferramenta de programação genética orientada a Gramáticas. Curitiba, PR.

Dennet D. (1998). A Perigosa Idéia de Darwin. ROCCO.

Koza JR, Keane MA, Streeter MJ. (2003). Aperfeiçoando Inventos. Scientific American Brasil 10: 60-67.