Texto super interessante. Vale a pena ler para entender um pouco sobre nós mesmos …
Antes de prosseguir com as implicações das descobertas de Daniel Kahneman na gestão, vamos ver uma explicação sobre a origem de nossos vícios de pensamento. De onde vem os viéses que nos forçam a usar “atalhos” de raciocínio nos impedindo de pensar direito?
Daniel Kahneman não adotou o tipo de explicação que vou dar abaixo, quem adota é outra escola (chamada “psicologia evolucionária”). Ambas, porém, concordam no seguinte:
1- Ao fazer escolhas, não pensamos, mas usamos “atalhos”.
2- Cometemos erros crassos de avaliação, seja qual for a razão .
A evolução biológica não nos desenhou para avaliarmos rigorosamente o que as coisas são de fato. Ela nos desenhou para gerar descendentes. Para isso, tivemos de aprender a fugir dos perigos que nos impediriam de cumprir nosso mandato evolucionário (“crescei e multiplicai-vos!” - pode resumir esse mandato assim).
Isso não tem nada a ver com avaliar “as coisas em profundidade”. Tem a ver com adaptação a ambientes ancestrais, nos quais os riscos que “tínhamos” de avaliar eram completamente diferentes dos que temos de avaliar hoje. Nós somos descentes de antepassados que sobreviveram porque avaliavam riscos sem rigor, por isso, somos bons em avaliar riscos sem rigor. Vou explicar:
Quando um vulto, parecendo ser um tigre, se aproximava da caverna em que nossos antepassados dormiam, nossos “avós” saiam correndo, não ficavam teorizando sobre as probabilidades daquilo realmente ser um tigre, ou especulando sobre a espécie de tigre, ou se o tigre estaria com fome. Os que teorizavam, foram sendo dizimados pelos tigres que, volta e meia, eram reais o suficiente (e estavam famintos o suficiente) para devorarem os “pensadores rigorosos”.
Com o passar do tempo, os genes dos que eram “rigorosos na avaliação de seus riscos” foram sendo gradualmente eliminados da população dos humanos. Sobramos nós, assim, superficiais, cheios de “defeitos de fabricação”. Não éramos rigorosos, mas funcionávamos muito bem naqueles mundos do passado. Funcionar significava ficar vivo e procriar, lembre-se. Essa era a definição de “sucesso” naquela época. Porém, de uns 10 mil anos para cá, o ambiente passou a mudar tão rápido que perdemos completamente a capacidade de nos adaptar em sintonia com ele. Deu no que deu. Achamos-nos o máximo, mas somos pouco mais que “primatas” não adaptados às conseqüências das tecnologias que nós mesmos criamos. Começou com a agricultura há dez mil anos e chegou à essa outra tecnologia a que chamamos de empresa, há pouco mais de um século.
Nassim Taleb, autor de “Fooled by Randomness”, diz com ironia:
“Por muito tempo nós humanos professamos a crença de que fomos privilegiados com uma máquina maravilhosa para pensar e entender as coisas. Porém, entre as especificações para funcionarmos no mundo real, está a ausência da consciência do que sejam as “verdadeiras” especificações… [nunca precisamos disso para cumprir nosso mandato evolucionário de gerar crias. Para que complicar as coisas?]… O problema com “pensar” é que isso faz você desenvolver ilusões. Pensar pode ser um tremendo desperdício de energia! Quem precisa disso?”.
A regra prática que se revelou utilíssima para a sobrevivência da espécie humana foi: “se lembrar vagamente um tigre, saia correndo”.
Kahneman e Tversky descobriram que esse tipo de regra prática, nada rigorosa, superficial (tecnicamente chamada de heurística), é absolutamente essencial para que funcionemos no dia-a-dia. Elas tiveram origem na necessidade de interpretar rapidamente o ambiente em que estávamos, para ficarmos vivos e podermos procriar, mas ficaram programadas em nós (apesar de não haver mais tigres por aí) e são uma parte vital do que constitui nossa humanidade.
Eu repito, repito e repito: não depende de você, depende da natureza humana. Você tem isso (quase) da mesma maneira que tem fígado e pulmão. Você é assim, queira ou não. Pré-conceitos em geral - ou seja: julgamento superficial de uma pessoa ou grupo com base em sinais externos nada conclusivos - têm exatamente a mesma origem.
Deixe-me provocar um pouco: se você pega um ônibus no Rio de Janeiro, vai começar a tremer se entrarem dois ou três tipos assim: negros, aparência “estranha”, bermudões arriados (quase caindo), bonés com aba para trás, camiseta largona, chinelo… Jeitão pouco confiável, enfim.
Você sabe, o ônibus passa por algumas regiões perigosas da cidade, entende? O que vem imediatamente à sua mente é: “vou ser assaltado!”
Preconceito puro, claro. Mas diz aí: é isso que você pensa ou não? Claro que aquelas pessoas podem ser 100% inofensivas, mas o que vem de estalo em sua mente é uma sensação de perigo iminente. Você vai checar “com rigor”? Vai teorizar sobre o “tigre” ou vai se mandar?
(O nome técnico disso é heurística da representatividade: avaliamos a probabilidade de uma pessoa pertencer a um certo grupo social, julgando quão similar são suas características àquelas do “membro típico” do grupo).
Existe uma explicação evolucionária para isso também: em ambientes ancestrais, “nós” tivemos de desenvolver heurísticas para detectar (rapidamente / superficialmente) quem era estranho ao nosso grupo. Os três critérios nos quais costumeiramente (e muitas vezes, preconceituosamente) nos avaliamos uns aos outros são: sexo, idade e raça.
Os juízos baseados em sexo e idade fazem sentido porque, se nosso drive biológico é procriar, é natural avaliarmos com quem. O sexo e a idade de alguém que surja à sua frente dão imediatamente dicas sobre possibilidades ou não de sexo com essa pessoa. Mas em ambientes ancestrais, as pessoas não encontravam gente de outras raças, elas viviam em bandos de cerca de 150 pessoas constituídos por pessoas aparentadas geneticamente em graus variados. Acredita-se que a percepção da diferença racial é causada pela sobre-estimulação do que poderia ser chamado de um “detector de estranhos” na mente humana (mais uma heurística daquelas).
Esse detector existe para identificar rapidamente os “estrangeiros genuínos” - que sempre representaram perigo iminente na era pré-agricultura e, portanto, exigiam reação rápida - daqueles que eram simplesmente membros do seu próprio clã que você não conhecia. Essa heurística tem de usar algo excepcional e óbvio, e há pouca coisa mais óbvia do que a cor de pele.
Preconceito puro, mas era questão de sobrevivência naquela época. Ficou conosco até hoje.
- Atenção: por favor, não vá imaginar que estou “defendendo” ou justificando o racismo. Sou negro e considero o preconceito uma desgraça completa (já fui vítima dele, e em ambientes mais refinados que um ônibus). Apenas - como interessado em gestão e, portanto, em resultados - afirmo que a melhor maneira de lidarmos com o racismo não é exortando as pessoas a serem menos preconceituosas, pois isso é inútil. É entendendo as raízes emocionais dessa manifestação e contornando essas raízes de forma consciente. Elas, as raízes, estão lá apesar de não gostarmos delas.
A melhor maneira de nos auto-gerenciarmos é por meio do entendimento das coisas como elas realmente são.
Então, aquelas regras que foram sendo programadas em nós aos pouquinhos durante os milhões de anos durante os quais nos tornávamos humanos, são totalmente inadequadas ao ambiente em que vivemos hoje - cheios de “estranhos”, telefones celulares, bigbrothersbrasil (arghh…), e-mails, atentados no Iraque, trânsito caótico, cidades violentas, chineses e hindus ameaçando nossos empregos… Nada a ver com os ambientes para os quais fomos projetados. É com isso que a gestão de pessoas tem que lidar.
- Clemente Nobrega - 02 de março de 2006.
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