Parte 6: Críticas ao ciclo: o ciclo da Inteligência versus A realidade ( Vamos matar o ciclo da Inteligência )

Por: Kristan J. Wheaton

Original em: http://sourcesandmethods.blogspot.com.br/2011/05/part-6-critiques-of-cycle-intelligence.html

Se a falta de precisão fosse a única queixa a se fazer sobre o ciclo da inteligência, ele pelo menos poderia ser confiável. Como sugerido anteriormente, não são os temas gerais que se mostram relevantes. E, a manutenção do ciclo sugere que suas inconsistências são de certa forma compensados por sua simplicidade.

Infelizmente, o segundo tipo de crítica ao ciclo é muito danosa. Na realidade ela é fatal. Simplesmente não há nenhum praticamente experiente ou teórico que afirme que o ciclo reflete, de alguma forma substancial ou em qualquer sub-disciplina, a realidade de como a inteligência é realmente feita.

Considere estas opiniões de algumas das mais proeminentes vozes nas 3 comunidades de inteligência:

“Quando chega a hora de começar a escrever sobre inteligência, uma prática que começou nos meus primeiros anos de CIA, percebi que havia problemas sérios com o ciclo de inteligência. Ele não é realmente uma boa descrição das formas de como o processo da inteligência funciona.” Arthur Hulnick, “What’s Wrong With The Intelligence Cycle” ( O que há de errado com o ciclo da Inteligência ) , Strategic Intelligence, Vol. 1 (Loch Johnson, ed), 2007.

“Embora a função seja ser um pouco mais que uma apresentação esquemática rápida, o diagrama da CIA ( do ciclo da Inteligência ) deturpa alguns aspectos e perde muitos outros. ” Mark Lowenthal, Inteligência: De Segredos para a Política ( Intelligence – From Secrets to Policy ) (2 ª ed, 2003.)

“Temos que começar por redefinir o linear e tradicional ciclo da inteligência, que é mais uma manifestação da estrutura burocrática da comunidade de inteligência que u ma descrição do processo de exploração da inteligência. ” Eliot Jardines, ex-chefe do centro de Inteligência de fontes abertas, em depoimento para o Congresso, em 2005.

“O ciclo tradicional da inteligência tem sido descrito como um “tipo ideal” do processo que estará sempre sujeito as limitações reais de tempo. ” Jerry Ratcliffe, O pensamento estratégico em Inteligência Criminal ( Strategic Thinking In Criminal Intelligence ) , 2004

“O ciclo da Inteligência clássico é puro, facilmente visualizado e rapidamente entendido. O problema é que ele realmente não funciona assim. É muito estático, muito rígido e com muita distância entre os líderes e os profissionais de inteligência.” TJ Waters, Hyperformance: Uso de Inteligência Competitiva para Melhor Estratégia e Execução ( Hyperformance: Using Competitive Intelligence For Better Strategy and Execution ) , 2010

“Ao longo dos anos, o ciclo da Inteligência tornou-se um pouco como um conceito teológico: Ninguém questiona sua validade. Mas, quando pressionado, muitos oficiais de inteligência admitem que o processo de inteligência, ‘realmente não trabalha bem assim’.” Robert Clark, Intelligence Analysis: A Target-centric Approach , 2010.

Quando você começa a olhar para eles é fácil encontrar críticas detalhadas ao ciclo de inteligência ( e, por favor, não hesite em adicionar sua própria ). O único argumento que ainda parece valer a pena discutir é se realmente o benefício da manutenção do ciclo da inteligência vale o custo de sua manutenção ( uma pergunta sobre a qual os leitores deste blog ( link para o blog em inglês ) ficaram totalmente divididos ( motivo do link para o blog em inglês: quase ninguém votou nas enquetes ) ).

Além das citações acima, meu colega, Steve Marrin, me proporcionou uma atualização interessante logo depois que eu comecei esta série. Segundo ele, o ciclo da inteligência foi objeto de uma “vigorosa discussão” em 2005 na Conferência RAND/ODNI sobre a teoria da inteligência e este tema será também tema de um painel na International Association Conference de 2012. Para dissecar cuidadosamente e articuladamente o ciclo de inteligência, eu não poderia recomendar um artigo melhor que o do próprio Steve, Análise de Inteligência e de tomada de decisão: desafios metodológicos de 2009 , do Livro Inteligência: Questões chaves e debate ( Intelligence: Key Questions and Debate).

Mais uma vez, os temas surgem a partir do descontentamento geral com as inadequações do ciclo de inteligência. Muitos destes temas que serão abordados eu irei discutir alternativas em posts mais para frente. Um tema, no entanto, salta a cada página e tende a dominar a discussão: o ciclo de inteligência é linear e a inteligência, do modo como é praticada, não é. Tarefas de passar de uma parte do ciclo para uma outra, tal qual uma linha de montagem, em que as peças são aparafusadas em uma ordem específica para criar um produto consistente.

Embora esta abordagem possa ser apropriada para os primeiros fabricantes do século 20, ele não funciona com a inteligência, onde cada produto, idealmente, contém informações e de alguma forma é único. Considere, por exemplo, este diálogo hipotético entre Mary, o CEO da Acme Widgets e Joe, seu chefe de inteligência competitiva :

Mary: Eu preciso saber tudo que há para saber sobre a Zed Wigets Company.

Joe: Claro. O que há ?

Mary: estamos pensando em introduzir um novo produto no mercado e quero saber o que a concorrência está fazendo.

Joe: alguma coisa em especial que você queira saber ?

Mary: Bem, eu posso ver esforços de marketing todos os dias na TV, então eu não estou muito interessado nisto. Eu acho que a coisa mais importante é sua estrutura de custos. Eu quero saber quanto custa para fazer seus produtos e onde os custos estão.

Joe: Certo. Trabalho, sobrecarga, materiais. Entendi. Mas uma parte da estrutura de custos é mais importante que a outra para você ?

Mary: Eles pagam a mesma quantidade de trabalho e sobrecarga que nós, então eu acho que estou mais interessado nos materiais, principalmente o material X. Esse é o nosso material mais caro.

Joe: acabei de ler um relatório que indicou que o custo do material X tende a aumentar em todo o mundo. Quer que olhemos com mais atenção para isto e geremos uma estimativa de custos para lhe enviar ?

Mary: Absolutamente.

Embora este exemplo seja bem simples, ele toca direto no ponto. Inteligência, mesmo neste pequeno exemplo é somente uma das partes do ciclo tradicional de inteligência que é, ou deveria ser, interativo, simultâneo, iterativo. No exemplo acima, essa iteração entre o profissional de inteligência e o CEO resultou em um pedido de informações mais detalhadas e variadas, como ele fez, indo desde o geral, “Conte-me tudo … ” até o totalmente focado “Conte-me sobre os custos do material X na Zed Company e me dê uma estimativa do preço que o material X terá”.

É igualmente fácil imaginar este tipo de interação entre as partes do ciclo também. Os profissionais que efetuam as coletas e os analistas, inevitavelmente, irão ir e voltar, quando os analistas tentarem adicionar mais detalhes aos seus relatórios e os profissionais de coleta devem adicionar mais informações as coleções. É ainda possível que as partes do ciclo que não são adjacentes umas as outras trabalhar bem juntas, como um analista e o responsável pela disseminação do produto final ( em sua forma oral ). Tomadores de decisão, também, podem muito bem continuar envolvidos em todo o processo, buscando relatórios de status e talvez até mesmo modificar suas exigências, adicionando novas informações antes que as análises preliminares estejam disponíveis.

A documentação principal do exército americano em sua versão 2.0 ( Joint Staff Publication 2.0 ) , é mais incisiva sobre o assunto:

Em muitas situações, as várias operações de inteligência correm simultaneamente uma com a outra ou podem ser ignoradas por completo. Por exemplo, um pedido de imagens vai exigir atividades de planejamento e direção, mas pode não envolver uma nova atividade de coleta, processamento ou exploração. Neste exemplo, a requisição de imagens poderia ir diretamente para uma unidade de produção onde as imagens já foram previamente adquiridas e elas somente seriam revisadas para determinar se satisfarão o pedido. Da mesma forma, durante o processamento e exploração, informações pertinentes podem ser divulgadas para o usuário, sem antes passar por uma análise detalhada de todas as fontes e produção de inteligência. Informações de combate significativas não analisadas devem ser simultaneamente disponíveis tanto para o comandante ( o tomador de decisão em tempo real ) e para o analista de inteligência ( para prrodução de avaliações de inteligência atualizadas ). Além disto, as atividades de cada tipo de operação de inteligência são realizadas de forma contínua e em conjunto com as atividades de cada uma das categorias de operações de inteligência. Por exemplo, o planejamento de inteligência está atualizado com base em requisitos de informação anteriores que foram satisfeitos durante o processo de coleta e sobre as novas exigências que estão sendo identificadas durante o processo de análise de produção.

A situação é ainda mais complexa quando você imagina uma unidade de inteligência sem equipes de pessoas dedicadas a cada uma das partes do ciclo. Em situações que envolvem pequenos setores de inteligência, onde uma simples coleta individual, processa, traduz, analisa formatos e chega ao produto final de inteligência, o ciclo se rompe totalmente.

A mente humana simplesmente não funciona de modo linear. Em vez disto, ela pula de tarefa em tarefa. Imagine seus próprios hábitos pesquisando sobre um assunto. Você pensa um pouco, procura por algumas informações, integra isto em um conjunto de informações ja pré adquiridas, e em seguida, procura um pouco mais. Esta abordagem analítica leva inevitavelmente a becos sem saída, onde vai ser requerida uma nova coleta. Ao mesmo tempo, você já está pensando sobre a forma como será o relatório final. Se você está montando um produto de inteligência que irá utilizar multimídia em sua forma final, por exemplo, você está constantemente a procura de gráficos relevantes ou filmes/vídeos que possa utilizar, independente de seu valor analítico. É simplesmente um absurdo dizer que você deve coletar todas as informações e depois passar para a análise, sem poder fazer qualquer outra coleta adicional.

Uma das mais recentes e amplamente divulgadas inovações na comunidade de segurança nacional dos EUA é o advento da Intellipedia, uma ferramenta tal qual a Wikipedia para a comunidade de inteligência. Wikipedia, como todos conhecemos é uma enciclopédia on line que é de uso livre e editável por qualque pessoa. É um dos sites mais populares da web e, de acordo com últimas pesquisas, é tão precisa quanto outras enciclopédias de grande aceitação no mundo. Tornou-se em sua curta existência, uma fonte de terciária bem l interessante tanto para analistas quanto acadêmicos.

Uma das coisas é que ela não é linear. Não há “índices” e pesquisadores, autores e editores devem escolher seu próprio caminho para utilizar este recurso. Algumas pessoas podem gerar artigos completos, outros só aparecem quando há alguma necessidade de corrigir um fato particular ou até um erro ortográfico ou gramatical. Há até mesmo pleno direito quando há “disputas de edição”, onde uma versão particular de uma mudança de algum tópico entra em discordância com outro ponto de vista. Aí, as duas partes entram em uma ‘guerra’ onde uma parte pode desistir ou , até, um dos lados chega a uma versão mais aceitável para todos. No final, é esta abertura e interatividade que dá a Wikipedia sua força.

A comunidade de inteligência reconheceu o valor deste tipo de ferramenta, pelo menos com relação aos seus produtos descritivos quando lançou a Intellipedia. Iniciada em abril de 2006, a Intellipedia de acordo com informações de junho de 2010 tem 250 mil usuários cadastrados e é acessado mais 2 milhões de vezes por semana. Este esforço é claramente muito mais do que um estágio experimental e mostra claramente que a colaboração e a interatividade – bem anti ciclo de inteligência – são fundamentais para qualquer descrição moderna do processo de inteligência.

Próximo:ciclos, ciclos e mais ciclos malditos !

Mais artigos da série :

  1. Vamos matar o ciclo da Inteligência
  2. Iremos retornar a nossa programação regular em um minuto …
  3. A desconexão entre a teoria e prática
  4. O Ciclo Tradicional da Inteligência e sua história
  5. Críticas ao ciclo : que ciclo da Inteligência ?